O êxtase de um bicampeonato mundial e a
desconfiança em relação ao escrete que começava a fraquejar o otimismo de todo
o paÃs. Nelson Rodrigues dá vida aos sentimentos do torcedor canarinho em duas
crônicas dos anos 60 publicadas pela Companhia das Letras (A Pátria em Chuteiras
- Novas Crônicas de Futebol. Companhia das Letras, 1994), com seleção
e notas de Ruy Castro, outro fervoroso amante do futebol e, acima de tudo, do
Clube de Regatas Flamengo.
Vitoriosos e retumbantes: assim se
declaravam os brasileiros após a Copa do Mundo de 1962, no Chile. Uma odisseia
levada a cabo de forma magistral, contra tudo e contra todos. O escritor
destaca a glória dessa conquista altissonante por meio da crônica redigida em
decorrência do jogo da semifinal, contra o Chile, em treze de junho de 1962 (Garrincha, Passarinho
Apedrejado). Éramos então um escrete (melhor dizendo, “O Escrete”) que
media forças contra uma seleção, uma nação e uma mancomunada equipe de
arbitragem.
Mas para que temer? Jogavam por nós Pelé,
Djalma dos Santos, Zagallo (valeu-nos o bendito treze da sorte, data do jogo
que valia uma vaga para a final), Didi e Garrincha, o homem daquele jogo.
Caçado e expulso (imaginem só a falcatrua realizada pela arbitragem, expulso o
passarinho do esquete!), Garrincha poderia muito bem ter recolhido as pedras
lançadas em sua direção pelos antagonistas como se fossem rosas – rosas de um
povo inebriado que, à distância, rendia glórias a sua seleção.
Bicampeão e consagrado, o que mais o
torcedor esperaria do Mundial seguinte, em 1966, na Inglaterra? O tricampeonato
poderia ser o auge, mas eis que estavam já envelhecendo os nossos “negros
plásticos, folclóricos, divinos” e começou a se alastrar a desconfiança em
relação a nossa seleção.
Em O Escrete Precisa de
Amor, Nelson Rodrigues clama pela união nacional em torno de um time que
precisava ser acarinhado para sentir-se confiante, afinal de contas “só o
grande amor faz o grande escrete”. Não, não poderÃamos ser como o tinhoso –
incapaz de sentir uma única emoção sequer. O brasileiro, descrito por Nelson
como o povo que não admirava aquilo que tinha de melhor, deveria se desfazer da
natural vaia e começar já a celebrar, pois estava escrito, o fado estava dado:
o tricampeonato seria nosso.
Porém, não. O empate na despedida do Brasil,
em pleno Maracanã, por dois a dois contra a Tchecoslováquia, em quinze de junho
de 1966, foi a corneta da catástrofe. A aventura de oitenta milhões,
prenunciada por Nelson Rodrigues, se tornou o martÃrio. Sim, fomos caçados e
exaustivamente estudados, mas, acima de tudo, mal preparados. O esquete sofreu
um tremendo vexame, eliminado na primeira fase e com a sua segunda pior
campanha na história. Os “pessimistas” que pregavam humildade se revelaram, por
fim, realistas.
Mas é esta a jornada do torcedor. Vibra e
celebra, mas também pressente o momento em que as coisas parecem não caminhar
bem. Foi assim em 2014 e também em 2018.
Além disso, operam ainda as “forças
ocultas” do futebol. A arbitragem continua desempenhando papel preponderante,
mesmo em tempos de revisão tecnológica. Ou acaso alguém pensa que tenha sido
mero acidente de percurso o “erro” do último jogo entre clubes brasileiros e o
Boca Junior (time a quem os “equÃvocos” sempre favorecem)?
Enfim,
é assim o esporte. Uma mistura de emoções e narrativas capaz de fazer vibrar
milhões de torcedores mundo afora. Na coletânea reunida e aqui apresentada,
Nelson Rodrigues aviva o entusiasmo proporcionado por uma das maiores paixões
mundiais, o nosso futebol.
* Por João Guilherme de Souza dos Santos,
aluno de Estudos Literários do IEL/Unicamp